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É festa de pinhão: os benefícios e a rica história desse alimento

Lá se vão centenas e centenas de anos em que o pinhão, essa semente legitimamente brasileira, se tornou uma das melhores companhias na temporada mais fria do ano. Apreciado no Sul e Sudeste do país, ele ostenta uma mistura de ingredientes que, além de aquecer o estômago, traz muitos benefícios para o nosso corpo. Fornece energia na forma de carboidrato, fibras, minerais e os celebrados compostos fenólicos, defensores das nossas células. A fama também chega à cozinha: o alimento cai bem sozinho ou em pratos doces e salgados.

Mas vem dos tempos pré-colombianos a maneira mais tradicional de saboreá-lo. Pelas bandas do Sul, ela ganhou o apelido de sapecada: o pinhão é torrado em meio às brasas de grimpas, isto é, os ramos secos da sua árvore de origem, a araucária. Povos indígenas que inclusive ajudaram a disseminar a espécie, caso dos caingangues e dos choclengues, e, depois, os tropeiros que iam e vinham pelo Brasil de antigamente eram grandes fãs desse preparo de gosto peculiar.

A fogueira e a receita costumam juntar familiares e amigos até os dias de hoje. Café, vinho e um bom violeiro também marcam presença, variando o acompanhamento de acordo com o local. Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul somam os maiores fãs da sapecada e detêm quase toda a população do pinheiro que leva o nome de Araucaria augustifolia, embora estados do Sudeste, como São Paulo e Minas Gerais, apresentem uma pequena concentração.

Segundo o engenheiro-agrônomo Flávio Zanette, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), existem relatos indicando a ocorrência dessas árvores em uma faixa que incluía desde a Bahia até o Sul do país. “A espécie pode ser considerada um fóssil vivo, já que existe há milhões de anos e resistiu até mesmo à era glacial”, revela. Sobreviveu a tantas intempéries… Só não contava com a busca desenfreada por sua madeira, de altíssima qualidade, que a colocou à beira da extinção.

Dados da Embrapa Florestas, no Paraná, sustentam que as matas de araucária cobriam perto de 185 mil quilômetros quadrados antes da colonização. Hoje restam apenas 2% dessas florestas. É assombroso, mas, felizmente, já se articula um movimento de proteção, advogado por pesquisadores e ambientalistas.

“A ameaça de desaparecimento desencadeou algumas ações, entre as quais a proibição do corte”, contextualiza Zanette. Ainda bem. Afinal, quem conhece a riqueza dessa árvore vai querer a araucária e seus pinhões sempre por perto.

Com o objetivo de zelar pela espécie, a Embrapa Florestas, em parceria com órgãos estaduais e universidades do Sul, está por trás do projeto “Estradas com Araucárias”. Ele oferece incentivo financeiro para o plantio desses pinheiros em divisas de propriedades rurais.

Além de embelezar as vias com as fileiras de árvores, colabora com a fauna e, claro, aumenta a cultura do nutritivo pinhão. Até o final do ano passado, já foram contabilizadas mais de 20 mil novas araucárias em 70 propriedades de Santa Catarina e Paraná.

Outra iniciativa em prol da causa atende pelo nome de Biodiversidade para Alimentação e Nutrição (BFN). “Entre 2012 e 2018, reunimos instituições internacionais, governo e estudiosos para promover o uso sustentável e ampliar o consumo de alimentos nativos”, resume a nutricionista Fernanda Camboim Rockett, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro do BFN.

Entre outras estratégias pregadas, destaca-se o estímulo ao rodízio de ingredientes para evitar a monotonia no cardápio e alavancar o cultivo de espécies. É uma inspiração para fazer como os tropeiros dos séculos passados, que trocaram as castanhas europeias por pinhões e ajudaram na difusão da semente. Foi assim que nasceram receitas como a carne à moda da Bocaina.

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Com vocês, a araucária

O pinhão vem dessa árvore típica do Sul do Brasil. A pinha é o verdadeiro fruto da araucária. Redonda como uma bola, ela ultrapassa 3 quilos e costuma guardar 100 sementes, que são os pinhões. “Mas já desenvolvemos variedades com 240”, revela o professor Flávio Zanette, da UFPR. Por carregarem o embrião da espécie, eles são cheias de nutrientes.

A copa: à medida que o pinheiro envelhece, os galhos se concentram no topo, em formato de candelabro.

A altura: a árvore alcança de 20 a 25 metros, mas pode atingir até 50, de acordo com o clima e a região.

O fruto: as bolotas chamadas de pinha são os verdadeiros frutos e guardam as sementes, ou pinhões.

A região: a araucária prefere áreas de serra, com altitudes acima de 500 metros, para se reproduzir.

Os benefícios e nutrientes do pinhão

Para quem tem o pé atrás com o pinhão pelo receio de ele ser calórico, Fernanda tranquiliza: o alimento entrega menos calorias do que as gringas nozes, castanhas e amêndoas. E não pense que o carboidrato que ele aloja reserva apenas energia para o organismo.

A química e cientista de alimentos Cristiane Helm, da Embrapa, é mais uma entusiasta e estudiosa da semente que vive se surpreendendo com ela. “Um dos destaques do pinhão é o amido resistente”, relata. Trata-se de um carboidrato especial, capaz de retardar a digestão e, assim, segurar a fome.

“Ao ser cozido com água, seus grânulos se enchem de líquido e formam uma espécie de gel, o que garante maciez ao alimento e aumenta a saciedade”, esmiúça Cristiane. Diferentemente do tipo simples, digerido em 20 minutos, o amido resistente pode levar até duas horas para ser processado e ainda é fermentado no intestino, numa atuação que equilibra a composição da microbiota e, de quebra, dá aquela força contra a constipação.

Soma-se a essa peculiaridade um mix de fibras solúveis e insolúveis, que potencializa seus efeitos no sistema digestivo. É graças a essa fórmula, aliás, que o pinhão também tem aparecido em pesquisas como aliado no controle da glicemia — contribuindo para afastar o diabetes ou facilitar a vida de quem convive com ele.

Embora o conteúdo proteico do pinhão não seja exorbitante, Cristiane ressalta sua qualidade: “Ele reúne proteína de alto valor biológico e pouco encontrada em fontes vegetais”. A semente ainda tem um pingo de gorduras — a maioria do tipo ômega-9, que traz tantos louros ao azeite de oliva.

A gama de sais minerais do alimento é outro bom motivo para olhá-lo com mais atenção no mercado. A química Bianca Schveitzer, da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), ressalta os níveis de ferro, fósforo, cálcio, entre outros.

A cientista apurou a fundo a estrutura da semente e trabalhou com uma farinha feita do alimento. “Agora precisamos avaliar sua biodisponibilidade, conta. Ou seja, o próximo passo é saber como o corpo aproveita os nutrientes ali.

Cristiane chama atenção para um fenômeno curioso e bem-vindo quando o pinhão vai à panela. “Durante o cozimento, alguns minerais e outras substâncias benéficas migram da casca para o interior da semente”, revela.

Embora seja considerado quase um empecilho, já que nem sempre é fácil de extrair, o invólucro brilhoso e resistente que recobre a polpa esbanja nutrientes. “Por isso mesmo já existem projetos para aproveitar a casca na indústria alimentícia”, sinaliza Cristiane.

Na próxima vez que você cozinhar o pinhão, observe a cor da polpa. Ela deixa de ser branca e adquire tons marrons, vindos de sua nutritiva casca. “O tom denuncia a presença de compostos fenólicos que foram incorporados durante o processo de cocção”, informa Cristiane.

Com ação antioxidante, essas substâncias estão entre os principais guardiões do nosso organismo no mundo da nutrição. Blindam células, artérias e até o DNA contra danos provocados pelos radicais livres, moléculas instáveis que surgem naturalmente e, em excesso, causam estragos.

Para evitar desperdício, a dica é não dispensar nem o líquido que sobra na panela. “Ele pode ser aproveitado para o preparo de caldos e até do arroz”, ensina a expert da Embrapa. Aliás, o pinhão entra em tudo quanto é receita — basta usar a criatividade.

A premiada chef de cozinha paranaense Manu Buffara, do restaurante Manu, em Curitiba, prepara até brigadeiro com a semente. “É um ingrediente muito versátil, entra em risotos, sopas, farofas e nas tradicionais paçocas”, enumera. Ela também volta às suas origens e se delicia com o pinhão sapecado na brasa. “Nossa família sempre se reuniu em volta da fogueira, lá em Maringá”, conta. Manu se junta ao coro do resgate de alimentos regionais e de sua incorporação à gastronomia contemporânea. “Temos que incentivar a agricultura local, o que ajuda na preservação do ambiente”, afirma.

O que 100 gramas de pinhão cozido contêm

Energia: são 160 calorias numa porção. Menos do que oleaginosas.

Carboidratos: o alimento traz um amido especial, bacana para o intestino.

Fibras: entre solúveis e insolúveis, são mais de 5 gramas em 100 gramas.

Potássio: a semente oferta mais de 500 miligramas da substância, boa para a pressão.

Outros minerais: pinhão é garantia de cálcio, ferro, manganês, fósforo…

Antioxidantes: a semente da araucária entrega compostos fenólicos. O corpo agradece.

Pinhão o ano todo?

A pesquisadora Bianca Schveitzer também defende a criação de novos produtos para consolidar e estimular a cadeia produtiva, sem deixar de zelar pela conservação das matas de araucária. E uma das formas mais promissoras de aproveitar o potencial do pinhão sem desgastar o ambiente é através da criação de uma farinha, ingrediente que pode ser utilizado num punhado de receitas.

Não são poucas as vantagens, como atesta uma parceria entre a Embrapa Florestas e a UFPR concebida para testar uma farinha obtida da semente da araucária e incorporada a uma pré-mistura para bolos. Quando comparada ao preparo feito com farinha de arroz, ganha em textura e sabor e arrasa no teor de nutrientes, especialmente o de fibras.

Por ser isenta de glúten, trata-se de uma opção genuinamente brasileira para os celíacos. “A farinha de pinhão pode ser destinada a pessoas com essa doença, que causa desconfortos pela atrofia da mucosa intestinal”, diz Mônica Ikeda, engenheira de alimentos da UFPR.

Recorrer à farinha é também uma maneira de ter sempre o pinhão à mão, já que sua colheita é sazonal. Embora existam araucárias que frutifiquem em fevereiro e setembro, a safra se concentra no outono e no inverno. Nessa época, é presença marcante na festa de São João e nas tradicionais celebrações de Lages, em Santa Catarina, de São Francisco de Paula, no Rio Grande do Sul, e na cidade de Pinhão, no Paraná.

Quando maduras, as pinhas despencam da árvore e se espatifam no chão, onde são coletadas. Mas há quem se aventure a escalar os troncos altos e colher direto na copa. É trabalho para os experientes, que, inclusive, precisam respeitar a maturação do fruto. Se as pinhas saem do pé antes da hora, pode haver prejuízos na propagação da espécie. Ainda que pássaros como a gralha-azul atuem no replantio dos pinheiros do Sul, precisamos fazer nossa parte. Assim, as futuras gerações também terão muito a festejar.

Do mercado à sua mesa

A nutricionista Renata Guirau, do Oba Hortifruti, ensina alguns macetes

Ao comprar: a casca deve ter cor vibrante, marrom nas extremidades e mais amarelada ao centro. Não pode ceder à pressão dos dedos.

Ao guardar: pode deixar na gaveta da geladeira, dentro de um saco, em temperatura entre 2 e 10 graus.
Uma opção é congelar depois de cozido.

Ao consumir: não vale exagerar. Uma porção de 30 gramas, cerca de oito unidades cozidas, já está adequada para um lanche da tarde, por exemplo.

Vai uma torta com pinhão?

Aprenda a receita da chef Manu Buffara, de Curitiba

Ingredientes
1 berinjela grande em cubos
Pesto:
1 buquê de manjericão fresco
50 g de parmesão ralado
150 g de pinhão cozido e picado
3 dentes de alho
100 ml de azeite de oliva
Massa:
200 g de farinha de trigo
3 ovos
1 colher (sopa) cheia de fermento em pó
100 ml de azeite de oliva
100 ml de creme de leite fresco
200 g de queijo feta cortado em cubos pequenos
Sal e pimenta-do-reino a gosto

Modo de preparo
Preaqueça o forno a 180 °C. Enquanto isso, refogue a berinjela com um pouco de azeite, mexendo por 30 minutos. Deixe esfriar. Prepare o pesto: no liquidificador ou mixer, bata o manjericão com o parmesão, o pinhão e o alho. Adicione o azeite aos poucos, sem parar de bater. Reserve. Para a massa, em uma tigela, misture a farinha, os ovos e o fermento. Aos poucos, adicione o azeite. Junte o creme de leite, batendo vigorosamente. Incorpore o pesto à massa. Em seguida, acrescente o queijo feta. Tempere com a pimenta e corrija o sal. Misture a massa delicadamente e coloque-a em uma fôrma retangular. Leve ao forno por 45 minutos. Deixe esfriar antes de desenformar e sirva a seguir.

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