“Somos um país que pesquisa muito pouco sobre sexualidade”, diz Marina Ratton, fundadora da femtech Feel – Forbes Brasil
Mesmo com todos os avanços na sociedade nos últimos anos, ainda é muito difícil ser mulher e liderar uma empresa. A frase é de Marina Ratton, fundadora da marca de produtos para intimidade feminina Feel. Criada em outubro do ano passado, com a missão de levar saúde e bem-estar à rotina das mulheres, a startup desenvolve cosméticos naturais, veganos e saudáveis, para potencializar a sexualidade.
A empresa faz parte do promissor mercado das femtechs, como são chamadas as startups que desenvolvem soluções para a saúde da mulher. O segmento movimentou US$ 18,75 bilhões no mundo em 2019 e deve atingir US$ 60 bilhões até 2027, crescendo a uma taxa de 15,6% ao ano, segundo um levantamento da consultoria Emergent Research. Em menos de um ano desde o seu lançamento, a Feel já oferece produtos como o óleo feminino multifuncional Relief & Free e o lubrificante hidratante íntimo Moist & Feel.
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Criado em plena pandemia, o negócio entrou em 2021 com o pé direito. Após passar pelo programa de aceleração da B2Mamy, empresa que capacita e conecta mães ao ecossistema de inovação e tecnologia, a startup foi uma das 13 selecionadas para o programa de aceleração da GB Venture, do Grupo Boticário. A iniciativa, de janeiro a agosto deste ano, oferece mentorias, oportunidades de networking, acompanhamento e feedbacks constantes com especialistas do mercado. Ao todo, foram mais de 130 empresas candidatas em todo o Brasil.
Em maio, a Feel concluiu sua primeira rodada de investimentos, por meio da Wishe Women Capital, uma plataforma de equity crowdfunding (instrumento de financiamento coletivo para difundir e facilitar o investimento em startups por pessoas físicas) focada em startups lideradas por mulheres. A operação levantou R$ 550 mil, com um índice de 84% do financiamento realizado por mulheres.
A Forbes conversou com Marina Ratton para saber como a Feel aplicará os recursos captados, novos produtos, estratégias e futuro. Confira, a seguir, os destaques da entrevista:
FORBES: O mercado de sexual awareness ainda é relativamente novo no Brasil. O que falta para o setor decolar?
MARINA RATTON: Nesse primeiro momento, precisamos de mais dados sobre o mercado e o setor. Somos um país que pesquisa muito pouco sobre sexualidade de maneira geral. Por falar pouco, ainda temos um entendimento muito superficial sobre o tema. As marcas de sexual awareness que temos hoje vão ajudar a levantar essas informações para que várias outras empresas possam surgir e inovar. Do ponto de vista do consumidor, ainda é preciso educar as pessoas, um processo que acontece à medida que discutimos a pauta. Mas não falta público, muito menos demanda pelos produtos, pois já temos mulheres buscando bem-estar para a sua intimidade.
Além disso, estamos nos preparando para vender nossos produtos na Magalu. Embora não tenha muitos dados sobre o segmento, a varejista sabe que este é um mercado muito grande, assim como outras companhias que estão, aos poucos, lançando a categoria de produtos para a intimidade feminina.
F: Qual a importância de o financiamento da Wishe ter sido liderado por mulheres?
MR: Homens ainda estão liderando o topo do dinheiro e da decisão no ecossistema, seja nos próprios fundos de investimentos ou nas mesas de conselho das empresas que vendem produtos para mulheres. É muito difícil que um executivo entenda a frustração de não sentir prazer, e o quanto a gente acha que isso só acontece com nós mesmas. É uma profundidade de dor que precisa ser perceptível para o investidor na hora de captar investimentos, mas não é muito compreendida por homens. Isso é diferente para as mulheres que estavam à frente do financiamento.
Quando nos conectamos com a Wishe, houve um match de propósitos e, por isso, ficamos muito confortáveis. A plataforma já é focada em acreditar em femtechs e projetos que fazem sentido para as mulheres. Ao fazer nosso pitch, as investidoras entendem o que é fingir um orgasmo e ter um desconforto após o sexo. Houve uma identificação muito forte. Para mim, é impressionante 84% da captação vir de mulheres porque o Brasil tem muitos investimentos em startups, mas majoritariamente masculinas.
F: Como os investimentos serão aproveitados pela startup?
MR: Vamos continuar contando a nossa história por meio dos produtos, muito focados nas conversas que temos na comunidade, entregando aquilo que faz sentido para o ecossistema feminino. Quase metade dessa captação será utilizada para aumentar a produção e o portfólio. O processo sempre envolve criar o protótipo, mandar para várias mulheres da comunidade testarem, fazer os ajustes necessários até chegar à versão final. Também pretendemos investir em marketing, pois há uma série de desafios para falar sobre sexualidade feminina – seja menstruação, climatério, sexo ou menopausa – na internet. Temos que achar formas de debater o tema sem sermos bloqueadas nas redes sociais, pois é quase impossível trabalhar sem este canal.
Vamos fechar 2021 com três novos produtos e, até o segundo semestre do ano que vem, a ideia é lançar mais três. A Feel trabalha muito próxima das consumidoras, entendendo quais são as demandas. Identificamos, por exemplo, que muitas mulheres não gostam do lubrificante em bisnaga, muitas têm filhos em casa e querem um produto com design mais sutil.
Além disso, queremos entender como entregar o máximo possível de informações para as clientes. A falta de educação sexual no Brasil é muito grande, e engloba mais do que o produto. O próximo passo é entregar experiência para nossos consumidores, investindo em tecnologia.
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F: Que tipo de mudanças você tem percebido no mercado durante a pandemia?
MR: Com o número crescente de mulheres sexualmente ativas que estão solteiras ou se separando, a disposição para ter novas experiências é muito maior. Muitas delas refletiram sobre suas intimidades neste período, compraram vibradores e lubrificantes, o que afeta e impulsiona o consumo do mercado erótico. Em Nova York, por exemplo, o Departamento de Saúde recomendou a masturbação durante a pandemia como prática sexual mais eficaz para evitar a propagação do vírus.
Em paralelo, muitas pessoas perderam a libido frente à tensão e ao estresse do isolamento social. Isso gerou muitas reflexões sobre o bem-estar de cada indivíduo e permitiu um maior diálogo com o parceiro ou parceria. Enxergo esse movimento como uma tendência: com o avanço da vacinação e o fim gradual da pandemia, em 2023 e 2024 devemos ter grandes mudanças comportamentais no que tange à intimidade, relacionamento e sexualidade.
F: Qual o seu maior desafio como empreendedora e líder da companhia?
MR: Apesar de ter uma série de privilégios que me ajudaram a chegar na minha posição, empreender não é romântico. Ainda existe muita descrença em torno do segmento: a sexualidade feminina é vista como um nicho de mercado, apesar de sermos mais da metade [51,8%, segundo a PNAD Contínua de 2019] da população do país. É um mercado gigante, que tem pouquíssimos estudos e inovações. O copo menstrual, por exemplo, é muito recente. No final do dia, o tabu em torno das questões de gênero e sexualidade ainda é o que mais atrapalha.
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