Um mar de peixes nativos e alternativos para desbravar
Nada como um rodízio em um restaurante japonês para apreciar diferentes sabores, cores, texturas e aromas, numa deliciosa viagem sensorial. E a experiência pode ficar ainda mais surpreendente se o sushiman oferecer sashimis e sushis de olhete ou de sororoca. Assim como o badalado salmão, a dupla fornece carne de excelente qualidade e a delicadeza perfeita para o preparo desses pratos orientais. Mas é desconhecida para muita gente. Por isso mesmo ambos integram o grupo dos Penacos, simpático apelido vindo da sigla para peixes alimentícios não convencionais.
Pesquisadores, chefs de cozinha e supermercados têm trabalhado para que o brasileiro desbrave esse oceano de diversidade — e não só em restaurantes, mas em casa também. Uma das entusiastas é a bióloga Rúbia Yuri Tomita, do Instituto de Pesca (IP-Apta), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
“Nosso país apresenta uma grande variedade de espécies nutritivas e saborosas que não são valorizadas como deveriam”, salienta. Muitos peixes que nadam por aqui não ficam devendo nada a celebridades importadas.
Inclusive há os que entregam substâncias como o ômega-3. O carapau, também conhecido como xerelete, é um dos que contêm a tal gordura boa, aliada da saúde cardiovascular.
Veja bem, não se trata de aposentar bacalhau & cia. Cada qual tem seu lugar dentro do contexto do equilíbrio e do gosto pessoal. Na cartilha da alimentação saudável, quanto maior a variedade, mais nutrientes no prato.
Enquanto uns pescados concentram conteúdos extras de gorduras benéficas, existem os magrinhos, que somam poucas calorias e são opções para quem anda de olho na balança. Alguns ofertam uma pitada a mais de zinco, o mineral guardião do sistema imune, outros têm maior quantidade de fósforo, que afia a memória.
Para garantir que nada falte, portanto, a estratégia é alternar. O melhor é que esse desfile de espécies proporciona puro deleite ao paladar.
Consumo de peixes no Brasil
Só que, antes de pensar em variar espécies, precisamos nos lembrar de incluir os nadadores na rotina. Apesar do litoral de dar inveja e da maior bacia hidrográfica do planeta, o brasileiro come pouco peixe. Se botar na conta nossas raízes étnicas, o estranhamento é ainda maior.
“Os índios sempre foram grandes apreciadores de pescados, assim como os portugueses”, lembra a pesquisadora Hellen Kato, da Embrapa Pesca e Aquicultura, no Tocantins. Mas, enquanto a média mundial de consumo per capita é de 20 quilos, por aqui estamos em 9,5 quilos anuais por pessoa.
“Destaca-se ainda a enorme disparidade entre as regiões do país”, diz Rúbia. No Norte, até pela força das tradições, a população é bem fã do alimento; já no resto do Brasil…
Não bastasse, contam-se nos dedos as espécies procuradas. “Em geral, a escolha se dá pela praticidade: o consumidor leva o que está embalado e sem espinhas nem escamas”, exemplifica Hellen.
Para piorar, mitos rondam a peixaria, até mesmo em relação ao traquejo culinário. Por isso, cozinheiros andam empenhados em apresentar tipos negligenciados e que, inclusive, podem acabar no lixo por falta de valor comercial.
O chef de cozinha Fábio Leal, da Soutu, em Santos (SP), é um dos parceiros do Instituto de Pesca para popularizar os Penacos — entre seus pratos favoritos está a sororoca grelhada. Uma de suas sugestões é ter um peixeiro de confiança. “O ideal é optar pelo animal inteiro e pedir para o vendedor limpar e filetar”, indica.
Como escolher o peixe
Para acertar na peixaria, a nutricionista Andréa Waisenberg, da capital paulista, tem alguns truques: os olhos do peixe precisam ter aspecto brilhoso, a coloração das guelras deve ser vermelha, é necessário que as escamas estejam grudadas ao corpo e, por fim, o correto é que a carne apresente consistência firme. Quanto ao aroma, odores fortes anunciam que o alimento não está fresco.
André Ahn, chef de cozinha de São Paulo, reforça que também é interessante conhecer a cadeia do peixe. “Vale investigar as origens e o caminho percorrido por ele”, orienta.
Respeitar a sazonalidade, atitude que tem tudo a ver com a reprodução e o tamanho das espécies, não só favorece o meio ambiente como é atestado de alimento mais gostoso. “Nós temos que aprender a comer o que o mar nos manda”, aconselha Ahn, que prepara desde sushis até moquecas com tipos como o olho-de-boi, a prejereba e o peixe-galo.
A bióloga Cintia Miyaji, da Paiche Consultoria, na Baixada Santista, reconhece que o consumo de pescados alternativos ajuda a diminuir a pressão sobre espécies ameaçadas. “Mas é fundamental que haja boas práticas e que a pesca seja sustentável”, enfatiza.
Aos poucos, o movimento chega até as grandes redes. O Pão de Açúcar lançou, em 2017, um projeto de incentivo aos Penacos. “Foi feito um levantamento, com base na legislação, além da consulta em universidades para escolher aqueles que estão fora do risco de escassez”, comenta André Artin, gerente de desenvolvimento do grupo. Saramonete, catuá e xaréu desfilam nas gôndolas.
Mas Cintia defende a importância de mais pesquisa em torno dos peixes alternativos para que a população os reconheça — embora não reste a menor dúvida de que todos ofereçam proteína da melhor qualidade. Então, fica o convite: mergulhe nesse mar de possibilidades e faça um rodízio de espécies.
Benefícios para o meio ambiente
“Quando as práticas são sustentáveis, a oferta de peixes se dá de forma segura, acessível e uniforme, diminuindo a pressão sobre os estoques na natureza”, explica Cintia Miyaji, uma das autoras do Guia de Consumo Responsável de Pescados.
Já Susy Yoshimura, diretora da área de sustentabilidade do Pão de Açúcar, avisa que espécies em risco de extinção não são vendidas. O respeito ao defeso, referente à época de reprodução, e ao tamanho dos animais é prioridade.
Fontes: Helen Kato, da Empraba Pesca e Aquicultura, em Tocantins (quadros peixes) e Instituto de Pesca (IP-Apta), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (gráfico consumo).
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